sábado, 28 de fevereiro de 2009

o velho vendedor de relógios

como sempre, eu estava atrasado e ele estava lá
parado
calmo
ajeitava uns relógios que estava na mesa em sua frente
uma mesa de madeira equilibrada com um pedaço de tijolo
tinha também um sombreiro escrito "marlboro", que um dia já deve ter sido branco
e um plástico que também já não era transparente cobria seus relógios
malmente dava pra os enxergar - os seus próprios produtos
e balbuciava palavras que ninguém entendia
sozinho

engraçado! passava e ainda passo por lá quase todo dia e nunca o tinha visto ali

o tempo é mesmo cruel
e ele devia saber isso mais do que ninguém
dava pra ver a melancolia em sua face
durante os poucos instantes em que fiquei o observando
passei pelos seus gestos todos seus dias e anos de vida
devia passar os dias assim
deveria passar também seus últimos dias assim?

velho
numa mesa velha
se protegendo de um sol velho embaixo de um sombreiro velho
vendendo numa mesa velha
relógios velhos




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sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

bruno

chegou todo sem graça
ao mesmo tempo em que se entregava
e, ainda assim, escondia um segredo em seu olhar
a timidez parecia esconder sua personalidade efusiva

se aproximou ainda mais e sua imagem foi refletida
mordi a língua e tentei não encarar
apenas percebi uns traços delicados em seu rosto de "boy"

era tão barato...
porque fazia aquilo?
e uma palavra o classificava - uma palavra proibida
mas que não me incomodava
nem tampouco me ofendia

segundos intermináveis
e minha inexperiência revelava a sua
você sentia que todos estavam te olhando, mas nem era

você sabia o que estava fazendo
e estávamos ali
meio sem graça
meio contraditório



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quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

e eu ainda

come
um monte de gente
come um monte de gente

vertical
dois dedos
só dois dedos na vertical

sim
não
acho melhor não

ligou
disparou
disparou só porque atendeu

ele não vem
eu não vou
ela vai
ela vem
ele nega
não tem problema

engana
nos engana
se engana
se enganar é ainda pior

e eu ainda penso
e eu ainda gosto
e eu ainda gosto de gostar
e eu ainda gosto de gostar de você e eu
juntos
ainda.



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quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

insônia

pego meu caderno, uma caneta e o celular para iluminar um pouco.
escrevo isso às 4:15 da madrugada.
daqui a pouco amanhece e não consigo dormir.
pensamentos me consomem e me deixam ainda mais exausto.
tentei levantar, mas não ia conseguir dar um passo sequer... levantei! aconteceu o que eu previa... me equilibrar foi impossível.
mal consigo abrir os olhos agora.
e minhas pernas não param quietas
não existe posição confortável.
o som do silêncio é ensurdecedor.
traiçoeiro.
me faz perder a noção do tempo
e o som do roçar da roupa de cama com o colchão é apavorante.
ponho a cabeça em cima do caderno e respiro fundo.
como um último suspiro.
essa sensação me dói, mas talvez dê certo.
queria sumir nesse momento ao invés de ter que contar de um até cinco mil.
queria arrancar a minha roupa e me esticar pelado na cama, mas... calma! eu só preciso me concentrar.
mas como? se esse ventilador e nada é a mesma coisa... que calor, meu Deus!
calma, calma!
não posso pensar em nada.
não posso pensar que daqui a algumas horas estarei em pé e cheio de coisa pra fazer pra pagar as minhas dívidas...
droga! eu estou pensando demais... páre garoto!
parei.
vou soltar esse caderno, caneta e celular como se tivesse fazendo tai chi chuan
cadê minha coberta?
olho pela última vez as horas no celular e prefiro nem acreditar.
vou soltar.
vou tentar.
eu preciso dormir...


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